Poemas selecionados de Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

*

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

*

Não meu, não meu é quanto escrevo,

A quem o devo?

De quem sou o arauto nado?

Porque, enganado,

Julguei ser meu o que era meu?

Que outro mo deu?

Mas, seja como for, se a sorte

For eu ser morte

De uma outra vida que em mim vive,

Eu, o que estive

Em ilusão toda esta vida

Aparecida,

Sou grato. Ao que do pó que sou

Me levantou.

(E me fez nuvem um momento

De pensamento).

(Ao de quem sou, erguido pó,

Símbolo só).

*

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem  alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo:  “Fui  eu ?”
Deus sabe, porque o escreveu.

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

*

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

*

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.

Fernando Pessoa – poemas

Após a leitura da Antologia Póetica comentada de Fernando Pessoa, escohi alguns dos trechos de poemas ou pemas favoritos meus. Em geral, falam sobre a autodescoberta, a espiritualidade e a busca. Não comparo com os livros de grandes Mestres espirituais que temos no site, mas como um buscador, da perspectiva de um buscador espirituais, os poemas são lindos e inspiradores, instigando-nos a ir além das brumas e alcançar a margem dourada o quanto antes.

Fernando Pessoa: Antologia Poética. Comentários Janei Tutikian. Editora Leitura XXI, 192 páginas. Você pode encontrar em diversos sites, pois é bem popular.



Abaixo, alguns dos meus favoritos poemas ou trechos de poemas.


Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa.

Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive.