O Cão do Céu (The Hound of Heaven) Por Francis Thomson (1859-1907) Tradução ao português de R. Paiva

O Cão do Céu (The Hound of Heaven)

Por Francis Thomson (1859-1907)

Tradução ao português de R. Paiva

 

D’Ele fugia, noites e dias;
D’Ele fugia pela arcada dos anos;
D’Ele fugia por becos e labirintos
De minha própria mente; e na névoa das lágrimas
D’Ele me escondia e no riso incontido.
Atrás de esperanças imaginadas corri;
E atirei-me, precipitado,
Nas sombras titânicas de abissais pavores,
Destes fortes Pés que perseguiam, perseguiam,
Em caçada sem pressa
Imperturbável passo.
Deliberada urgência, majestática instância,
Ressoando – e a Voz reiterando
Mais insistente que os Pés
“Tudo te trai, a ti que Me trais.”

Supliquei, esperto fora-da-lei,
A muitos uma janela cordial, com rubras cortinas,
Tecidos com retorcidos amores
(Pois embora eu conhecesse o Amor de Quem me seguia,
Contudo eu estava certo na dor,
Que, tendo-O, nada mais poderia ter).
Mas, se apenas uma fresta se abrisse,
O susto de Sua vinda a teria trancado:
Não sabe o medo fugir, como o Amor perseguir.
Pela margem do mundo fugi,
Turvei o dourado chão de estrelas,
Buscando refúgio em suas sonoras barras,
Aflito por doces jarras
E tremor de prata nos pálidos portos da lua.
Disse à aurora: “Acontece!” E à tarde: “Vem logo!”
Com teus jovens celestes botões afasta-me
Deste tremendo Amante!
Faze flutuar teus vagos véus sobre mim, que Ele não me veja!
A todos os Seus servidores tentei. Nada achei.
Traído fui pela constância deles.
Na fé para com Ele, nos seus caprichos comigo,
Traiçoeira veracidade, leal engano.
A tudo de mais veloz mais rapidez urgi.
Grudado à uivante crina de todos os ventos.
Mas perpassassem, mansa brisa,
As longas campinas do azul;
Ou, incitados pelo Trovão,
Atroassem seu carro para um céu
Pejado de raios voadores em volta da poeira de Seus Pés,
Não sabe o medo fugir, como sabe o Amor perseguir.
Ainda em caçada sem pressa
E imperturbável passo,
Deliberada urgência, majestática instância,
Vieram os perseguidores Pés,
E a Voz acima do som de Sua marcha:
“Nada acolha a ti, que não acolhes a Mim!”

Não mais busquei aquilo atrás do que vagava
Em faces de homem ou donzela.
Apenas ainda lá, nos olhos dos pequeninos,
Parecia haver alguma coisa, alguma coisa respondendo!
Ao menos eles eram por mim, certamente, por mim!
Voltei-me para eles, muito tristemente,
Mas, logo que seus olhos belos se abriram,
Com nascentes respostas ali,
Seu anjo arrancou-os de mim pelos cabelos:
Venham, então, outras crianças, dom natural,
“Deem-me – disse eu – sua gentil amizade!
Deixem-me saudá-los, lábios nos lábios!
Deixem-me entrelaçá-los de carícias,
Caprichosamente,
Com as ciganas tranças de nossa Mãe Senhora,
Banqueteando-me
Com ela no seu palácio de muros de vento,
Sob seu pavilhão azul,
Tragando, como seu costume sem mancha,
De um cálice
Luzente de gotas do amanhecer!”
E assim se fez:
Eu, na gentil companhia deles, fui um –
Abri os selos dos segredos da Natureza,
Conheci todos os deslizantes significados
Na teimosa face dos céus.
Conheci como as nuvens se levantam,
Espumas do selvagem respiro do mar;
Tudo o que nasce ou morre,
Ergue-se ou cai; fiz deles moldes
De meus humores, ou penosos ou divinos.
Com eles jubilei e me enlutei.
Eu me via pesado com a tarde,
Quando ela acendeu vacilantes velas,
Em redor dos mortos trabalhos do dia.
Ri nos olhos da manhã,
Triunfei e me deprimi em qualquer clima,
O céu e eu juntos choramos,
E suas doces lágrimas se salgaram com as minhas mortais;
Contra o rubro pulsar do seu coração – crepúsculo,
Deixei o meu próprio bater,
E partilhar o bem vindo calor.
Mas nem assim, nem assim, aliviou-se meu humano sofrer.
Em vão minhas lágrimas molharam as cinzas faces dos Céus
Pois ah! Não sabemos o que um ao outro diz
Essas coisas e eu; em sons eu falo –
Seus sons não são mais que ondulações: falam por silêncios.
A natureza, pobre madrasta, não pôde matar-me a sede;
Deixai, se ele quiser me possuir,
Afastar do seu peito o véu azul celeste, e mostrar-me
Os seios de sua ternura.
Nunca seu leite abençoou
Minha sedenta boca.
Perto e mais perto se mostra a caçada,
Em imperturbável passo,
Deliberada urgência, majestática instância,
E, atrás destes ruidosos Pés,
Uma Voz chegou mais veloz:
“Nada te contente a ti, que não me contentas!”

Nu, espero do Teu amor o golpe final!
Peça por peça a armadura me arrancaste
E de joelhos me puseste;
Nenhuma defesa me resta.
Dormi, creio, e acordei,
Num lento olhar me vi despido no sono.
Na dura cobiça de meus jovens poderes,
Sacudi os pilares das horas,
Puxei minha vida sobre mim; rosto manchado
Estou de pé em meio ao pó de amontoados anos –
Minha estropiada juventude jaz morta nos escombros.
Meus dias demolidos se tornaram pó,
Inflaram, rebentaram como bolhas no riacho.
Sim! Falha, agora, cada sonho
Ao sonhador e a viola, ao violeiro;
Mesmo as sólidas fantasias, logros floridos,
Onde vi toda a terra como enfeite no meu punho,
Recuam: suportes de todo fracos
Para a terra de tão pesados lutos.
Ah! Será Teu amor
Erva daninha, embora florida,
Sem tolerar outros botões que não os seus?
Ah! Tens,
Infinito Inventor
Ah! Tens Tu de queimar a lenha antes de iluminar?
Meu frescor se foi, regando a poeira,
E, agora, meu coração é fonte exaurida,
Onde lágrimas estancadas se desintegram para sempre
Desde úmidos pensamentos que tremem
Sob os gementes ramos de minha mente.
Assim é. O que é para ser?
Se a polpa é tão amarga, como será a casca?
Zonzo, vislumbro que o tempo nas brumas se funde,
Mas, sempre de novo, a trompa ressoa,
Nos ocultos baluartes da Eternidade.
Destas névoas sacudidas, um espaço incerto se abre, então
Em redor das mal vislumbradas torres lavadas de novo.

Mas não será ele, o que convoca,
Quem antes eu vira, ileso,
Com brilhantes vestes púrpura, coroado de cipreste;
Seu nome conheço, e o que sua trompa clama.
Se o coração humano ou a vida seria o que produz
Tua ceifa, deve a sega dos Teus campos
Ser adubada com a podridão das mortes?
Agora, desta longa perseguição
Perto chega o rumor;
Esta voz me rodeia como o estrondo do mar:
“É esta a tua terra tão amada,
Partida em cacos e mais cacos?
Vê, todas as coisas fogem de ti, que foges de Mim!
Estranho, lamentável, fútil ser!
Porque qualquer coisa te daria singular amor?
Nenhuma vendo, fiz muito do nada” (Ele disse),
“E o amor humano necessita humano merecer:
Como tens tu merecido –
De todo humano coágulo de barro o mais obscuro coágulo?
Pobre, não sabes
Quão pouco digno de amor és tu?
Quem tu queres para amar-te, ignóbil ser,
Exceto Eu, somente Eu?
Tudo o que de ti tomei, tomei
Não para ferir-te,
Mas só para que tudo pudesses encontrar em meu abraço,
Tudo o que teu infantil engano
Imaginava perdido, guardei para ti em casa:
Levanta! Segura Minha mão e vem!”
Cessa, por mim, estes passos em tropel:
É minha tristeza, depois de tudo,
Sombra de Sua mão, estendida em carícia?
“Ah, tão querido, cego, fraco,
Eu sou Aquele a quem procuras!
Do amor te afastavas, tu que de Mim te afastavas”.

-Tradução


Uma segunda tradução, ainda preliminar, parcial:

 

O Guardião do Paraíso

Por Francis Thomson (1859-1907)

Tradução parcial por Patanga Cordeiro

 

Fugi Dele, noite e dia afora;

Fugi Dele, os anos vão embora;

Fugi Dele, por labirintos embora

Na mente; por entre nuvens de lágrimas

Escondi-me Dele, sob gargalhadas.

Alcei minha esperança envisionada;

Atirei-me, precipitado,

Em escuridão Titânica de temores abismais

Daqueles Pés firmes que seguiam, seguiam.

E com uma busca serena

E passo tranquilo,

Pressa deliberada, majestosa urgência,

Eles soam – e uma Voz soa

Mais rápida que os Pés–

‘Tudo trai aquele que Me trai.’

 

Supliquei como um fora-da-lei

Por entre janelas de cortinas vermelhas

Treliçadas de divindades entrelaçadas;

(Pois, ainda que conhecesse o Seu amor que seguia,

Eu todo temia,

Pois, tendo Ele, nada mais teria.)

Mas, se uma janela se abria,

A onda da Sua chegada a fecharia.

O medo não vem a fugir, como o Amor vem perseguir.

Através da margem do mundo eu fugi,

Afligindo os portais dourados das estrelas,

Batendo por abrigo suas barras tinindo;

Entrelaçadas em jarros adocicados

E argênteo ranger dos portos da lua.